Uma solução: proibir os adjectivos
O
país, pequeno e desajeitado, nunca teve permissão para solucionar as suas
crises financeiras, limitando-se a sofrer as consequências ou da sua irrisão ou
do seu descuido. Ao folhear os jornais de outros tempos aflige-me o mesmo
conjunto de patetices que me ocuparam em outros anos e em outros séculos –
partindo do princípio de que atravessei dois séculos, pelo menos, e de que
conservo uma boa biblioteca sobre a primeira metade do século XIX. O problema
principal é a falta de dinheiro. Qualquer benevolente e paciente leitor destas
crónicas compreende que não se ministram aqui lições de economia – e que a
própria economia sai maltratada deste eremitério de Moledo, de braço dado com a
astrologia, de quem a suponho irmã.
Acontece
que falta dinheiro e que o dinheiro provém da actividade económica que nós não
temos. O desastre é antigo. O velho Doutor Homem, meu pai, propôs várias vezes
que se levasse o Constitucionalismo a tribunal, arrastando consigo as
burguesias que viveram à conta do Estado e dos seus favores; mas eram coisas de
um teimoso. País pequeno e desajeitado, gastador do que nunca teve, nem as
burguesias aproveitaram a luz das nossas grinaldas (para a colocarem a render),
nem os heróis de antanho se serviram do engenho das nossas burguesias para dar
descanso aos cabedais que não tinham. Este divórcio foi-nos fatal.
A
minha sobrinha acha que sou arrevesado nesta matéria e que mais vale dizer que
o país não tem solução. Não é totalmente verdade; apenas em parte. Da falta de
dinheiro provêm quase todos os nossos males; e os restantes resultam da
arrogância dos herdeiros do vintismo e das revoluções de juristas, incluindo a
República. Ao vê-los falar na televisão, no intervalo das telenovelas de Dona
Elaine (a governanta e guardiã de Moledo), pergunto-me de onde lhes vem tanto
conhecimento sobre a arte de criar riqueza onde não há trabalho, invenção,
loucura, aforro e sensatez – tudo ao mesmo tempo, porque tudo é necessário para
manter um país decente.
Mas
falta-nos decência. Mais de metade do país, dizem-me os meus sobrinhos, vive a
dar ideias no Facebook em vez de vendê-las a quem as achar genuinamente úteis
ou aproveitáveis para benefício das nossas províncias. Não me parece que o
consigam. O velho Doutor Homem, meu pai, gostaria de ser ministro durante uma
semana para impor a proibição de usar adjectivos durante certa temporada. Ao
ver o que dizem os herdeiros do constitucionalismo e da República, isso
providenciava-nos alguma presciência e melhorava a nossa saúde mental.
in Domingo - Correio da Manhã - 16 Setembro 2012
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