domingo, setembro 16, 2012

Uma solução: proibir os adjectivos


O país, pequeno e desajeitado, nunca teve permissão para solucionar as suas crises financeiras, limitando-se a sofrer as consequências ou da sua irrisão ou do seu descuido. Ao folhear os jornais de outros tempos aflige-me o mesmo conjunto de patetices que me ocuparam em outros anos e em outros séculos – partindo do princípio de que atravessei dois séculos, pelo menos, e de que conservo uma boa biblioteca sobre a primeira metade do século XIX. O problema principal é a falta de dinheiro. Qualquer benevolente e paciente leitor destas crónicas compreende que não se ministram aqui lições de economia – e que a própria economia sai maltratada deste eremitério de Moledo, de braço dado com a astrologia, de quem a suponho irmã.

Acontece que falta dinheiro e que o dinheiro provém da actividade económica que nós não temos. O desastre é antigo. O velho Doutor Homem, meu pai, propôs várias vezes que se levasse o Constitucionalismo a tribunal, arrastando consigo as burguesias que viveram à conta do Estado e dos seus favores; mas eram coisas de um teimoso. País pequeno e desajeitado, gastador do que nunca teve, nem as burguesias aproveitaram a luz das nossas grinaldas (para a colocarem a render), nem os heróis de antanho se serviram do engenho das nossas burguesias para dar descanso aos cabedais que não tinham. Este divórcio foi-nos fatal.

A minha sobrinha acha que sou arrevesado nesta matéria e que mais vale dizer que o país não tem solução. Não é totalmente verdade; apenas em parte. Da falta de dinheiro provêm quase todos os nossos males; e os restantes resultam da arrogância dos herdeiros do vintismo e das revoluções de juristas, incluindo a República. Ao vê-los falar na televisão, no intervalo das telenovelas de Dona Elaine (a governanta e guardiã de Moledo), pergunto-me de onde lhes vem tanto conhecimento sobre a arte de criar riqueza onde não há trabalho, invenção, loucura, aforro e sensatez – tudo ao mesmo tempo, porque tudo é necessário para manter um país decente.

Mas falta-nos decência. Mais de metade do país, dizem-me os meus sobrinhos, vive a dar ideias no Facebook em vez de vendê-las a quem as achar genuinamente úteis ou aproveitáveis para benefício das nossas províncias. Não me parece que o consigam. O velho Doutor Homem, meu pai, gostaria de ser ministro durante uma semana para impor a proibição de usar adjectivos durante certa temporada. Ao ver o que dizem os herdeiros do constitucionalismo e da República, isso providenciava-nos alguma presciência e melhorava a nossa saúde mental.

in Domingo - Correio da Manhã - 16 Setembro 2012